quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Beto - Retorno de Miguel

O cheiro enjoativo de café com leite naquela manhã era um presente para o olfato de Beto.
Estava bem longe do mar, das gaivotas, dos peixes e das lembranças ruins que a véspera de seu aniversário trazia.
Era um sábado nublado, porém animado pela sua família em harmonia como nunca.
Beto se espreguiçou demoradamente e deixou escapar um suspiro.
Sempre que suspirava assim era inevitável: lembrava de Miguel.
E sorria...
Abria um largo sorriso lembrando do peixe que Miguel puxava para dentro do barco entre gritos de satisfação comemorativa.
Os dois à deriva depois de uma noite estrelada e fria. Depois de Miguel apresentar-se não mais como seu amigo de infância, não mais como aquele homem que jogava Beto para o alto quando este ainda era um bebê. Miguel acolheu Beto suprindo as carências de uma vida inteira. Carências que ele nem sabia que tinha ou não tinha mesmo até conhecer o amor. Depois somente a sede e água salgada para beber. O mar por onde Miguel partiu. Vago como aquele fim sem arremate.
E agora aquele cheiro de peixe que lhe lembrava o pescador.
- Quem trouxe isto, pai?
- Fui eu. - respondeu Miguel sentado e todo espalhado no canto da sala de jantar de onde Beto acabara de sair.
A luz do sol chegava rala vencida pelo temporal que se formava.
Miguel pôs-se de pé e abraçou Beto enquanto caiam as primeiras gotas de chuva.
Era como ter um animal amedrontado nos braços.
Na presença de todos era impossível falar sobre o que quase aconteceu.
Mas eles sabiam o que abraço significava. E sentiam um no outro a força que não foi vencida em um ano.
Um ano, Miguel.
Você me deixou sem notícias por um ano.
Foi tempo demais.

- Miguel, esta é minha namorada.

- Você é o famoso Miguel? Só tenho a te agradecer. - ela disse - Se você não salvasse a vida do Beto eu não sei o que seria da minha.


E Beto mergulhou no mar da infância sentindo que Miguel o carregava para a praia reanimando-o com um beijo que não era ainda um beijo.

3 comentários:

Bruno Areal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno Areal disse...

gostei do seu conto.

Anônimo disse...

Cadê o Miguel aqui?