quarta-feira, 23 de julho de 2008

Pelo retrovisor

Quando ele me olhou pelo retrovisor um estremecimento me percorreu.
Não pelo susto, mas por uma lembrança que me atordoa até hoje.
Estava ansiosa para chegar em casa, mas a estrada era longa e eu já havia fingido dormir por muitos quilômetros com os fones nos ouvidos e viajando para bem longe daquele carro.
Acordada tinha que encarar o insistente olhar do meu primo Pedro.
Observando suas feições mudadas e seu olhar em nada alterado.
O meu talvez sim, pela constrangedora presença de sua mulher no banco do carona.
Por mais que eu olhasse para a estrada, para os lados, para minhas mãos, era no retrovisor que meus olhos estacionavam à espera do reflexo de seu olhar e das maçãs de seu rosto coradas e erguidas quando ele sorria.
O estremecimento voltava sempre que isso acontecia. E me levava há uma década. Quando ele era um pouco mais magro e não tinha entradas de calvície, nem era casado.
Algo em minha expressão mudou.
Parei de encará-lo.
Quando paramos para o almoço ele me abordou tenso.
“A Karina (mulher dele) vai dormir com a mãe dela no hospital hoje.”
Eu só respondi com o mais largo dos sorrisos e um brilho nos olhos.
No carro eu comecei a sacudir as pernas impaciente.
Ele olhava para o retrovisor.
Foi a última vez que o vi.
Disseram que foi um caminhão em baixa velocidade.
A culpa foi de Pedro.
Minha talvez.

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