Quando ele me olhou pelo retrovisor um estremecimento me percorreu.
Não pelo susto, mas por uma lembrança que me atordoa até hoje.
Estava ansiosa para chegar em casa, mas a estrada era longa e eu já havia fingido dormir por muitos quilômetros com os fones nos ouvidos e viajando para bem longe daquele carro.
Acordada tinha que encarar o insistente olhar do meu primo Pedro.
Observando suas feições mudadas e seu olhar em nada alterado.
O meu talvez sim, pela constrangedora presença de sua mulher no banco do carona.
Por mais que eu olhasse para a estrada, para os lados, para minhas mãos, era no retrovisor que meus olhos estacionavam à espera do reflexo de seu olhar e das maçãs de seu rosto coradas e erguidas quando ele sorria.
O estremecimento voltava sempre que isso acontecia. E me levava há uma década. Quando ele era um pouco mais magro e não tinha entradas de calvície, nem era casado.
Algo em minha expressão mudou.
Parei de encará-lo.
Quando paramos para o almoço ele me abordou tenso.
“A Karina (mulher dele) vai dormir com a mãe dela no hospital hoje.”
Eu só respondi com o mais largo dos sorrisos e um brilho nos olhos.
No carro eu comecei a sacudir as pernas impaciente.
Ele olhava para o retrovisor.
Foi a última vez que o vi.
Disseram que foi um caminhão em baixa velocidade.
A culpa foi de Pedro.
Minha talvez.
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