domingo, 17 de junho de 2012

O Vilarejo

Poucos sairam para ver os estragos nos limites do vilarejo.
Alguns foram muito longe sem encontrar viva alma, trouxeram animais dos vilarejos vizinhos de onde a raça humana misteriosamente desapareceu.
Estamos isolados aqui na beira do rio. Ainda temos recursos, a terra está em perfeitas condições, o gado se alimenta normalmente. Por enquanto nada nos falta. Ninguém deve cruzar os limites da vila. Do outro lado não encontramos corpos. Por algum motivo as pessoas desapareceram e decidimos esperar mais um pouco aqui. 
O fim do mundo, o arrebatamento, eram hipóteses que faziam muito sentido para aquela comunidade assustada. Mesmo assim quase tudo seguia sua rotina. As missas, os cultos, as confissões (que aumentaram em número e duração), as festas juninas programadas com capricho. Desta vez sem o público vizinho que vinha ver as quadrilhas. 
Foi uma longa noite de festa. Até quem não saia nessa época foi à praça ver brilhar o suor no rosto dos brincantes, que sorriam com certa melancolia.
Uma moça entre todas era a mais alegre, pois conseguiu, depois de muita luta persuadir o pai a deixa-la dançar na quadrilha com seu melhor amigo como par.
Lá embaixo haviam homens animados olhando para cima sem reparar na coreografia, mas reparando muito as calçolas das moçoilas. 
O pai da moça enciumado resmungava, os homens riam e a moça se sacudia com sensualidade saindo por todos os poros. 
Mas não haviam só homens na platéia. Mulheres com vestidos baratos e rugas em linhas finas atravessando o rosto sentiam doer no peito a faca da infidelidade. E não havia nada que pudessem fazer para deter as menininhas mal saídas da menarca em suas saias rendadas no alto do palco.
A moça finalmente desceu exausta atravessando a massa de bêbados e donas de casa com suas crianças irriquietas. Ouvindo muitas vozes familiares. Sentindo o calor úmido das matas naquelas manhãs onde se deixava invadir pela brutalidade que ali transpirava cachaça. Alguém contou? Ou todos simplesmente sabiam desde sempre que ela, a Miss Caipira, pertencera a tantos homens? 
Alguém revelou e alguém a defenderia. O seu amigo com chapéu de palha, o moço bondoso mudo e virgem. 
Do alto ele gritou num intervalo entre as músicas e muitos cairam de joelhos estupefatos gritando é milagre, o moço está falando!
Desceu e, com muita dificuldade, balbuciou o nome da amiga que vertia grossas lágrimas.
A música recomeçou e não havia mais nada para falar. Ele guardou para si as revelações que tivera na véspera do fim. As donas de casa guardaram sua mágoa e seus maridos fizeram silêncio em suas camas. 
A moça foi a primeira a desaparecer do vilarejo. Houve muito empenho para encontra-la, mas não tiveram sucesso. Logo crianças e senhoras sumiram e os homens desapareciam nas buscas. 
O moço mudo pouco ajudou e logo desapareceu em silêncio.

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