segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Mistérios da Carne - Mysterious Skin


Há diferentes maneiras de se viver um trauma de infância. Em Mistérios da Carne é possível acompanhar dois extremos: aquele que nega o acontecido por meio de eventos fictícios e aquele ciente de tudo desde o início e, ainda assim, com uma dificuldade intrínseca do inconsciente para compreender o real efeito da experiência passada.
A crueza da libido infantil é por um lado chocante e por outro familiar. A imaginação e a travessura típicas da infância ganham contornos sombrios e a simples aparição de um menino na tela fica sempre cercada malícia. A invasão desse mundo causa asco e faz de Mistérios da Carne um filme incômodo e difícil. Contando ainda com uma montagem engenhosa, que pode enganar os desavisados e chocar muito mais na ilusão de que as tomadas são contínuas, uma vez que o corte é quase imperceptível.
Encaixar aí um elemento sobrenatural poderia ser a ruína do filme, mas o roteiro é habilidoso quando desvia todo o drama real para uma busca insólita por explicações que uma memória travada não é capaz de revelar. Atormentados cada um à sua maneira, os dois personagens centrais seguem suas vidas em função do que se passou. Curiosamente aquele que recorda o passado é o que mais se perde na busca de um objetivo.
O que faz a originalidade de Mistérios da Carne são os ângulos e versões para o crime hediondo que é a pedofilia. O filme prova que é possível mostrar com delicadeza um lado perverso e repugnante do homem. A ousadia maior é, portanto, a tentativa de tornar palatável aquilo que é abominável.

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