Havia separado as melhores e mesmo assim estavam tortas e
defeituosas. Estava só. Era só. Bastava de personagens. Nunca nutrira amor por
eles, pois eram estúpidos e fracos. Sempre se justificavam pelas
circunstâncias, coisa que na vida real se ouve de pedintes, doentes e de
pessoas que perderam tudo num desastre natural. Mas as circunstancias, as
malditas circunstancias de seus personagens eram justificativa para suas
fraquezas e vícios. E ele não podia mais evitar esses enredos. Estava obcecado
pela ideia do destino.
Estava descontrolado e seu rosto era a própria negação do
descontrole. Pronto para proferir comentários educados com frieza deixando somente
o constrangimento para quem os recebesse. Toda essa aparente falta de
sinceridade lhe rendeu a fama de arrogante, uma coisa que ele nem de longe era.
Na verdade havia humildade em não sorrir.
Culpava-se pelo narcisismo e o autoconhecimento fazia dele o
assunto que mais discutia, então escrevia e odiava seus personagens, pois lá
estavam patéticos como quem se olha num espelho mágico, ora magro, ora gordo,
ora alto e convexo. Ignorantes acreditavam no reflexo e a vida lhes fugia como
fugia dele também nesse exercício sem sentido que é mostrar o espelho pra cara
da estupidez.
Então as relações se estreitavam e só pra conhecer a alma,
como quem põe a mão numa panela de água desconfiando que esteja muito quente,
ele se envolvia com a certeza que seria superficial. Mas aqui é o mundo real e
não há esperança ou redenção para o que não se pode editar. Só existe o
fatalismo. Suas experiências nos envolvimentos amorosos (uma definição ousada
para aquela mistura de sexo e insegurança) deixavam-no flutuando nu e simples. Tinha
horror da entrega então pouco revelava, até ouvir incontáveis promessas.
Seus olhos reviravam no começo e ao final brilhavam perante
as possibilidades de vida. A vida iria começar e podia senti-la formigando.
Escolheu demonstrar sem mistérios, porém com grande sutileza. Acontecia tão
naturalmente que se ele mesmo fosse um personagem seria trabalhoso construí-lo
e nada fascinante. Então por que motivo, no mundo real, tentavam decifra-lo?
Alguém tão simples e que sabia de tudo tão premeditado quanto dedos que
escrevem num teclado. Queriam vê-lo escapar pelo impulso. Pecar, sofrer e
florescer, mas ele se negava e os esforços para torna-lo radiante eram todos em
vão. Cansavam.
Exigências
em um mundo imperfeito. Domínio. A ideia abominável de dominar o outro lhe
parecia tão bizarra que até seus personagens tinham liberdades esquisitas em
seus contos. Quantos finais foram desviados para polir o seu agrado ou
desagrado e revelar outro aspecto tão real quanto ultrajante, justamente por
ser difícil de aceitar. Então era só olhar com mais cuidado e ver que estavam
destinados àquele fim. A ideia de uma realidade onde ele não pudesse provar
isso lhe atordoava.