segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Poder & Controle

Então a noite se resumiu em preguiça de editar as crônicas.


Havia separado as melhores e mesmo assim estavam tortas e defeituosas. Estava só. Era só. Bastava de personagens. Nunca nutrira amor por eles, pois eram estúpidos e fracos. Sempre se justificavam pelas circunstâncias, coisa que na vida real se ouve de pedintes, doentes e de pessoas que perderam tudo num desastre natural. Mas as circunstancias, as malditas circunstancias de seus personagens eram justificativa para suas fraquezas e vícios. E ele não podia mais evitar esses enredos. Estava obcecado pela ideia do destino.
Estava descontrolado e seu rosto era a própria negação do descontrole. Pronto para proferir comentários educados com frieza deixando somente o constrangimento para quem os recebesse. Toda essa aparente falta de sinceridade lhe rendeu a fama de arrogante, uma coisa que ele nem de longe era. Na verdade havia humildade em não sorrir. 
Culpava-se pelo narcisismo e o autoconhecimento fazia dele o assunto que mais discutia, então escrevia e odiava seus personagens, pois lá estavam patéticos como quem se olha num espelho mágico, ora magro, ora gordo, ora alto e convexo. Ignorantes acreditavam no reflexo e a vida lhes fugia como fugia dele também nesse exercício sem sentido que é mostrar o espelho pra cara da estupidez.
Então as relações se estreitavam e só pra conhecer a alma, como quem põe a mão numa panela de água desconfiando que esteja muito quente, ele se envolvia com a certeza que seria superficial. Mas aqui é o mundo real e não há esperança ou redenção para o que não se pode editar. Só existe o fatalismo. Suas experiências nos envolvimentos amorosos (uma definição ousada para aquela mistura de sexo e insegurança) deixavam-no flutuando nu e simples. Tinha horror da entrega então pouco revelava, até ouvir incontáveis promessas.
Seus olhos reviravam no começo e ao final brilhavam perante as possibilidades de vida. A vida iria começar e podia senti-la formigando. Escolheu demonstrar sem mistérios, porém com grande sutileza. Acontecia tão naturalmente que se ele mesmo fosse um personagem seria trabalhoso construí-lo e nada fascinante. Então por que motivo, no mundo real, tentavam decifra-lo? Alguém tão simples e que sabia de tudo tão premeditado quanto dedos que escrevem num teclado. Queriam vê-lo escapar pelo impulso. Pecar, sofrer e florescer, mas ele se negava e os esforços para torna-lo radiante eram todos em vão. Cansavam.
Exigências em um mundo imperfeito. Domínio. A ideia abominável de dominar o outro lhe parecia tão bizarra que até seus personagens tinham liberdades esquisitas em seus contos. Quantos finais foram desviados para polir o seu agrado ou desagrado e revelar outro aspecto tão real quanto ultrajante, justamente por ser difícil de aceitar. Então era só olhar com mais cuidado e ver que estavam destinados àquele fim. A ideia de uma realidade onde ele não pudesse provar isso lhe atordoava. 

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