- Então você cochilou ontem? - perguntei assim que retiraram o aparelho que ajuda a respirar.
- Anjos da guarda às vezes dormem, às vezes se cansam também.
Ao levantar da cama pude vê-lo melhor. Era da minha estatura, incrivelmente pálido e mais magro. Sendo que eu já me acho bem magro.
Era tudo que eu não imaginava ter como anjo da guarda. Devem ter me reservado o pior de todos, pensei.
Parecia ser mais novo, mais imaturo ainda com aquela roupa de skatista que eu usava há dois anos. Em vez de asas tinha um skate muito parecido com o meu. Ele todo era parecido comigo e por isso eu não conseguia simpatizar com nada do que via.
- A verdade é que ontem falhei - continuou ele - e raras vezes temos oportunidade de falar com o protegido. Você agora está dormindo. Quando acordar não lembrará deste sonho e vai correr muito mais riscos pondo à prova minha competência. Eu só vou ter a chance de encarnar humano se fizer um bom trabalho. Não espero que você se importe, afinal é por este motivo que você não lembrará dessas palavras. Mas como no sonho os humanos são puros existe aqui a oportunidade de você, como tanto queria... se livrar da sua vida. Sem sofrimento, sem castigo. E não haverá mais contato entre nós anulando esse ódio que você tem de mim por eu ter te salvado no último minuto. Como aqui não há mais o ódio que você tem de si mesmo a sua alma vai finalmente descansar. Em troca eu vou encarnar em poucos minutos aqui mesmo neste hospital quando nascer a próxima criança.
Consegui rir com as forças que me restavam, mas no fim ponderei que aquilo era tudo que eu precisava. Fazer realmente uma coisa da qual não haveria retorno e dar tal oportunidade grotesca ao odioso anjo que tanto queria ser humano.
Para cumprir minha parte no trato abri imediatamente a janela e ansioso me joguei do quinto andar fazendo para ele um gesto obsceno.
- Otário - disse Lúcifer sarcástico. E deslizando pelos corredores com seu skate encaminhou-se para a sala de parto.
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