quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Brucutu

Ele mora em uma casa confortável demais para um homem rude.
A esposa, depois da crise conjugal, mudou-se para a casa dos pais levando o filho pequeno, mas permanece por perto.
O homem quer provar que não é um inútil. Quer provar não apenas para ela. Quer ser mais.
Encostado na parede da oficina reflete (sim, ele é capaz). Não demonstra, mas está feliz. Ontem ficou até tarde escrevendo uma carta para uma antiga namorada. A esposa não deve saber.
A carta ele nem vai enviar. Achou sentimental demais. Por isso vai guardar para si, para lembrar que há sensibilidade escondida por baixo da graxa.
Ele é capaz de dar carinho. Mesmo sujo, mesmo com o dedo indicador esquerdo decepado pode tocar e sentir. Não é frio. É incompreendido.
Ele gosta do silêncio da casa, mas não gosta de comer sozinho, nem de lavar a louça. A pia está cheia da sua bagunça masculina. A bagunça do desleixo. Causa de tantas discussões.
Sente-se incrivelmente livre circulando com as meias furadas. Voltou mais cedo. Pouco trabalho na oficina. Comprou algumas peças. Trabalho só amanhã. Está chovendo. Depois de algumas cervejas ele vai escrever. Coça a cabeça. “Será?”. Lembra que uma vez se apaixonou. É um ponto de partida. Escreve no canto do sofá, encolhido como um menino emburrado. Faz um bico aqui e ali. “A chuva cai”. É um ponto de partida. Um grande gole de cerveja. Reescreve.
A letra está feia. É feia. É tudo feio. Ele é feio.
Faz muito esforço, agora não para escrever, mas para conter-se.
Duro como sempre, esconde o rosto (de quem?).
Ninguém está vendo suas lágrimas.
Ninguém viu.
No dia seguinte lá estava ele com um papel amassado na mão esquerda. Manuscrito de uma angústia que jamais revelaria. Se não viesse a esquecer no carro de um cliente.

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